sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O que é afinal a História?

Olá a todos. Hoje lanço-vos a todos um desafio. Uma reflexão sobre o que é a História? Ciência, arte ou jogo? Qual é a importância da História nos dias de hoje? Terá um papel social na nossa sociedade? Porque é que se estuda História afinal? Gostava de conhecer a vossa opinião sobre o assunto, por favor.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Porto sentido

Olá a todos! Desta vez venho fazer-vos uma sugestão. Enquanto passeiam pelo Porto, lembrem-se do poema musicado pelo Rui Veloso que abaixo transcrevo (letra retirada do site: http://vagalume.uol.com.br/rui-veloso/porto-sentido.html). Reparem como é uma descrição perfeita!
Rui Veloso - Porto Sentido
Quem vem e atravessa o rio
Junto à serra do Pilar vê um velho casario que se estende ate ao mar
Quem te vê ao vir da ponte
és cascata, são-joanina
dirigida sobre um monte
no meio da neblina.
Por ruelas e calçadas
da Ribeira até à Foz
por pedras sujas e gastas
e lampiões tristes e sós.
E esse teu ar grave e sério
dum rosto e cantaria
que nos oculta o mistério
dessa luz bela e sombria
[refrão] Ver-te assim abandonada nesse timbre pardacento
nesse teu jeito fechado de quem mói um sentimento
E é sempre a primeira vez
em cada regresso a casa
rever-te nessa altivez
de milhafre ferido na asa
Vejamos mais pormenorizadamente o sentido do poema acima apresentado: em primeiro lugar chama-se a atenção para o “velho casario” que se aprecia a partir da Serra do Pilar que se assemelha a uma “cascata são-joanina” devido ao declive acentuado do relevo do Morro da Sé. Refere-se também à “neblina”, presença sempre constante na nossa Invicta (de quem se diz que é a “Londres portuguesa”) e que confere à cidade um misto de sedução e mistério que a envolve num manto de magia. Percorrendo essa “cascata”, atravessando as suas “ruas e calçadas” que vão “da Ribeira até à Foz” com “pedras sujas e gastas” (que se podem de facto apreciar pelas ruas tortuosas e acidentadas no centro histórico, inclusivamente, nas escadas centenárias da freguesia da Sé) e os típicos “lampiões” que o autor apelida de “tristes e sós” (atribuindo assim aos lampiões um sentimento compartilhado pelos habitantes da zona histórica, que são maioritariamente constituídos por uma população envelhecida, com poucos recursos económicos, uma população tantas vezes esquecida, e como tal, solitária). Outras características da cidade são referidas, como por exemplo, o seu “ar grave e sério” – uma referência à solenidade patente no seu urbanismo, na dureza dos edifícios da baixa portuense, na sua constituição maciça e granítica tão típica do Norte do país, aos traços nobres de uma cidade burguesa, historicamente relacionada com o seu rio, de onde vinham e para onde iam os produtos comercializados pelos seus mercadores – e do “mistério dessa luz bela e sombria” que se pode ver representada na perfeição em algumas das fotos publicadas (que não são minhas, mas retiradas de vários sites e blogs), quer tratando-se da luz do entardecer ou do início do dia, como durante a noite com a iluminação ou do reflexo da “cascata” no Douro. No refrão da música é referido o abandono que a cidade é alvo, abandono esse que pode ser entendido em várias perspectivas: abandono por parte dos milhares de habitantes que a deixaram (e continuam a deixar!) para viver na periferia, onde os preços dos terrenos são menos elevados; cidade abandonada a partir das 22.00 horas, ficando praticamente deserta; o abandono que a cidade é alvo pelas classes políticas (centrais e locais); e todos os abandonos que todos nós silenciamos ou ignoramos – tal como a nossa passividade perante atitudes de crimes ambientais, atentados urbanos, tal como aquele que foi cometido contra a Cordoaria e, mais recentemente, com os Aliados (belo cartão de visita que a cidade actualmente possui…), entre outros… Relativamente ao seu “jeito fechado de quem mói um sentimento”, o autor provavelmente refere-se à austeridade e conservadorismo patente nas suas “gentes” e, em geral, nas “gentes do Norte” (pelo menos, é assim que interpreto), uma população rude na sua maioria com parcos recursos económicos, endurecida por uma vida de trabalho intenso, que se alicerça na unidade familiar e, orgulhosa, honesta, faz questão de manter a tradição e os costumes que herdou dos pais e avós. A rematar este, na minha opinião, belíssimo poema, o autor refere a altivez que contempla quando regressa a casa (casa aqui entendida no seu sentido mais lato, de terra-natal), uma “altivez de milhafre ferido na asa”. Penso que a expressão vem reforçar o carácter orgulhoso, digno e nobre da cidade e da sua população.
Saudações de uma portuense a 100%!

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Uma viagem ao passado medieval do Porto

Olá servos de Clio! Antes de mais queria desculpar-me pela demora da publicação de um novo post. E, ao contrário do que tinha previsto, não vou começar por questões teóricas em torno da definição de História, etc. Por motivos pessoais vi-me impelida a elaborar um passeio pelo Porto Medieval e gostaria aqui de partilhar com vocês o resultado. Aqui vai então!
O Porto, cidade singular, vale a pena ser visitada. Propomos aqui, numa primeira abordagem, um pequeno passeio pelo Porto Medieval. Convém no entanto ressalvar que as origens do Porto remontam à Pré-História (com vestígios provenientes desde o Paleolítico), passando pela ocupação romana, sueva, visigótica. O núcleo primitivo da cidade é o Alto de Penaventosa ou Morro da Sé. Para que melhor se compreenda um povo que, ao longo dos tempos, tão nobremente lutou pelo direito de ser livre e senhor do seu próprio destino, aqui se propõe um passeio pelo Porto medieval. Títulos honoríficos não faltam ao Porto: berço da Democracia, baluarte da Liberdade, capital do Trabalho e, como a cidade ostenta, orgulhosa, no seu escudo de armas, Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto. Recentemente é também Património da Humanidade. Em 2001 Capital Europeia da Cultura. Todos estes epítetos podem ser compreendidos se remontarmos no tempo até à Idade Média (genericamente entre o século V ao século XV). Com efeito, mesmo antes da fundação da nacionalidade os portuenses forjaram a sua própria identidade a ferro e fogo, à custa de muitas lutas, rebeldias, protestos e reivindicações, que opuseram o povo do velho burgo às prepotências dos reis e dos prelados e contra as extorsões dos senhores feudais. Ponto de partida: Sé Catedral Situada em pleno centro histórico, a Sé é um dos seus mais emblemáticos monumentos. O início da sua construção data da primeira metade do século XII, prolongando-se até ao princípio do século XIII. Trata-se, na sua essência, de um edifício românico, porém, ao longo dos tempos, a Catedral portucalense sofreu profundas alterações que, em alguns casos, deturparam o seu estilo original. Não obstante, continua a ser um imponente monumento digno de demorada visita. Da época românica datam o carácter geral da fachada com as torres e a rosácea, além do corpo da igreja de três naves coberto por abóbada de canhão. A abóbada da nave central é sustentada por arcobotantes, sendo a Sé do Porto um dos primeiros edifícios portugueses em que se utilizou esse elemento arquitectónico. Em 1772, a fachada principal foi remodelada numa campanha rococó que substituiu o primitivo portal românico e conferiu o aspecto que hoje possui, com o portal ladeado por duas colunas geminadas que suportam um frontão que termina em nicho, onde se conserva a imagem da padroeira da Sé do Porto, Nossa Senhora da Assunção. Da época gótica subsitem a capela funerária de João Gordo (c. de 1333), cavaleiro da Ordem dos Hospitalários e colaborador de D. Dinis, sepultado num túmulo com uma estátua jacente; e o claustro (séc. XIV-XV), construído no reinado de D. João I (uma curiosidade: este rei casou-se com D. Filipa de Lencastre na Sé do Porto, em 1387). O exterior da Sé foi muito modificado na época barroca. Cerca de 1772 construiu-se um novo portal em substituição ao românico original. As balaustradas e cúpulas das torres também são barrocas. Cerca de 1736, o arquitecto italiano Nicolau Nasoni adicionou uma bela galilé barroca à fachada lateral da Sé. No interior da Sé, à esquerda da capela-mor encontra-se a capela do Sagrado Sacramento, destacando-se o magnífico altar de prata maciça, construído em sucessivas fases, desde 1632 até ao século XIX por vários artistas portugueses, salvo das tropas francesas em 1809 por meio de uma parede de gesso construída apressadamente. É considerado uma obra fundamental da ourivesaria portuguesa, com vasta iconografia bíblica, centrada na Eucaristia. O moderno lampadário tem o desenho de Teixeira Lopes. Junto à entrada podem ver-se as monumentais pias de água benta, datadas dos finais do séc. XVII. Junto à pia baptismal seiscentista, há um baixo relevo de Teixeira Lopes (Pai). O acentuado verticalismo da nave central, marcada por grossos pilares fasciculados, com abóbadas e arcos já levemente apontados, traduz-se numa sóbria imponência. Nos inícios do século XVII (1610) a capela-mor original românica (que era dotada de um deambulatório) foi substituída por uma maior em estilo barroco, por iniciativa de D. Gonçalo de Morais, bispo do Porto na altura. É um espaço com cobertura em abóbada de berço com caixotões e onde a mármore aparece como principal elemento decorativo. As pinturas murais são de Nasoni. O altar-mor (ou retábulo-mor), em talha dourada, foi construído entre 1727-1729 por encomenda do Cabido e é uma importante e inovadora obra do barroco joanino, projectado por Santos Pacheco e esculpido pelo entalhador lisboeta Miguel Francisco da Silva. O espaço das naves mantém ainda a sua fisionomia original românica, com apontamentos artísticos de épocas mais recentes, como no caso da pia baptismal, renascentista, ou os dois púlpitos de mármore do século XVII. O transepto sul dá acesso aos claustros do século XIV e à Capela de São Vicente (de finais do séc. XVI), de sóbria arquitectura clássica. Apresenta um notável cadeiral do séc. XVII, com cenas bíblicas, do Antigo e Novo Testamento. Vários Bispos do Porto estão aqui tumulados. Uma graciosa escadaria de Nicolau Nasoni (concluída em 1736) dá acesso ao pátio superior do claustro gótico, onde sete grandes painéis de azulejos, do segundo quartel do séc. XVIII, exibem cenas do “Cântico dos Cânticos”, em referência ao diálogo místico entre Deus e a Virgem e as Metamorfoses de Ovídio. Nos patamares destaque para a grande estante de bronze (1616), com as armas de D. Gonçalo de Morais, e para o antigo sino do relógio da cidade (1697, obra de D. José Saldanha). No pátio, observa-se a vista panorâmica e painéis de azulejos com cenas campestres e mitológicas. No transepto, lado esquerdo, está entronizada, desde 1984, a imagem de Nossa Senhora da Vandoma (séc. XIV), padroeira da cidade do Porto, "civitas Virginis". No transepto, lado direito, está entronizada a imagem de Nossa Senhora da Silva (séc. XV-XVI). A outra capela barroca é dedicada a S. Pedro. A Casa do Cabido, anexa ao claustro e à Sé, é edifício arcaizante do primeiro quartel do séc. XVIII. Na andar superior estão expostas notáveis esculturas religiosas (dos séc. XIV a XVIII). Na antiga sala do cartório vêem-se painéis de azulejos, de Vital Rifarto. Na grande sala capitular destaca-se o tecto de masseira com pinturas de Giovani Battista Pachini (1737), representando catorze alegorias morais, dispostas à volta de S. Miguel, patrono do Cabido. Os lambrins de azulejo foram fabricados em Lisboa, contendo cenas de caça. No andar intermédio, constituído por quatro saletas abobadadas, está exposto o "tesouro" da Catedral. Em nove grandes vitrinas pode ver-se objectos de ourivesaria, paramentaria e livros litúrgicos, relativos ao culto catedralício. Por cima dos cadeirais do cabido, ficam dois órgãos de tubos; séc. XVII (esquerdo) e séc. XIX (direito). Um deles, no coro-alto, marca em Portugal um período que dá início ao desenvolvimento organístico. Trata-se de um órgão do construtor Jann, o mesmo construtor do órgão da igreja da Lapa (Porto), ambos promovidos pelo esforço e iniciativa do Cónego Ferreira dos Santos. Depois de uma visita à Sé, saímos para o terreiro e conseguimos abarcar todo o centro da vida social, administrativa e de negócios do antigo burgo. Era em torno da Sé que funcionava a câmara, o tribunal, a cadeia, a feira. Ao fundo das Escadas da Rainha ficavam os Paços do Concelho, também conhecidos por Paço da Rolação, Sobrado da Rolção ou simplesmente Torre. Era um dos mais imponentes edifícios da cidade daquele tempo. Foi nesse edifício que se tomaram algumas das mais importantes decisões administrativas para a cidade. Foi objecto de uma polémica recuperação, orientada pelo arquitecto Fernando Távora. Em frente das ruínas dos antigos Paços do Concelho, fica um edifício, onde agora funciona uma albergaria, que serviu, em tempos muito recuados, primeiro como prisão eclesiástica e depois como cadeia civil. A torre que se vê ao fundo da Calçada de D. Pedro Pitões, diante da fachada principal da catedral, pretende ser, apenas, a reconstituição de uma casa-torre que por ali existiu. A reconstrução fez-se a partir dos alicerces da primitiva construção, encontrados em 1940, aquando das obras de ampliação do Terreiro da Sé. No Beco dos Redemoinhos vale a pena visitar a fachada daquela que se considera ser a mais antiga casa da cidade do Porto ainda de pé (séc. XIV). O Largo que hoje tem o nome do Dr. Pedro Vitorino foi o medieval Largo do Açougue e estava rodeado de casas baixas e algumas lojas onde se vendiam tripas e outras miudezas. Passava por estes sítios a muralha primitiva (erradamente denominada como muralha sueva), que circundava apenas o espaço que hoje é ocupado pelo Bairro da Sé. A cerca velha foi construída pelos Romanos e reconstruída no século XIII. Desta linha de defesa chegaram até aos nossos dias alguns vestígios infelizmente escondidos pelas construções que, ao longo dos tempos, se foram erguendo. Vale a pena seguir pela rua D. Hugo onde, à beira da actual sede regional da Associação dos Arquitectos Portugueses se podem ver ainda vestígios da primitiva muralha. No séc. XIV afirmou-se a necessidade da construção de uma nova cerca, mandada erguer por Afonso IV (1355) e terminada no reinado de D. Fernando (por volta de 1370). A muralha ia pelo Douro desde as praias de Miragaia até aos Guindais, trepava a encosta dos Guindais, limitava externamente a cerca do mosteiro de Santa Clara (fundado por D. João I), ia em direcção a Cimo de Vila para descer até ao campo das Hortas (actual Praça da Liberdade), para subir até ao Olival (actual Cordoaria), prosseguindo pelo Passeio das Virtudes até às Escadas do Caminho Novo de onde descia até ao rio, fechando-se. Foi uma obra gigantesca em que colaborou gente de todas as estirpes: presos, soldados, mesteirais, artesãos, até clérigos. "Cada vizinho e cada pulso contribuía com um canto." A área murada corresponde a 44 ha – note-se que em 15 anos o Porto fortificado multiplicou-se por 12! Para observar a muralha dita fernandina comecemos no Largo do 1.º de Dezembro, junto à igreja do antigo mosteiro de Santa Clara. Se olharmos com atenção este bocado da muralha junto dos Guindais e tivermos na devida conta que cada uma destas pedras era talhada directamente no penedo, a guilho, saberemos dar valor ao trabalho que foi necessário desenvolver para levantar um muro de tal dimensão em torno da cidade, numa extensão de mais de 3400 metros. O n.º de portas e postigos é difícil de precisar, mas em 1402 são referidas 8 portas, defendidas por gigantescas torres, 4 postigos e duas dezenas de cubelos. Das portas ficaram, apenas, vestígios de uma delas, no interior de um café que ainda hoje se chama Café da Porta do Olival; e dos postigos resta-nos, em excelente estado de conservação, o do Carvão, na Ribeira. Em Miragaia, situava-se a Porta Nobre, por onde sempre entravam os visitantes mais ilustres, os reis e os prelados quando vinham tomar conta da diocese. Na Praça da Ribeira, ficava outra porta que permitia a ligação da cidade com o rio para mareantes e mercado. Esta Porta da Ribeira era "guardada", dia e noite, pela imagem de Nossa Senhora do Ó, permanentemente iluminada a lamparina de azeite. Descendo pela Sé encontram-se as tortuosas e tão características ruas medievais que se foram adaptando ao relevo acentuado do Morro. A Rua dos Mercadores foi, juntamente com a Bainharia e a Rua Escura, um dos eixos de circulação vital para o Porto Medieval, ligando a zona ribeirinha, centro mercantil, ao burgo episcopal e assegurando a comunicação com as principais vias medievais que saiam do Porto em direcção ao Entre-Douro-e-Minho e a Trás-os-Montes. Percorrendo a zona extra-muros desde as imediações da Porta de Sant'Ana até à Praça da Ribeira, junto ao Douro ela seria, como o seu nome indica, um dos locais eleitos pelos mercadores portuenses para instalarem as suas moradias e estabelecimentos. Era assim, uma zona rica da cidade, com estruturas bem cuidadas, embora algumas, como veremos, desde cedo oferecessem problemas de conservação[1]. “Este Arco ou Porta de Sant'Ana das Aldas, um dos quatro das primeiras fortificações do velho burgo episcopal do Porto, celebrado e para sempre imortalizado pelo Visconde de Almeida Garrett, no seu romance histórico "O Arco de Sant'Ana", erguia-se outrora, quase a meio da rua do mesmo nome, e ao cimo da encosta que o seu corte em rocha ali forma, no trajecto para o Largo das Aldas, onde até meados do século XVI se erguia a desaparecida picota dos bispos, singela e alta coluna de granito, com seis ou sete argolas de ferro chumbadas ao redor e encimadas por um agudo espigão do mesmo metal, tudo isso firmado em quatro degraus de pedra toscamente lavrada. O Arco era de singela arquitectura, sem o mínimo gravado ou escultura na sua frontaria ou abóbada; no entanto o seu carácter e a sua feição especial, contribuíam poderosamente para dar à vetusta rua, toda calcetada por pequenas lajes raiadas longitudinalmente a cinzel, um tom sobremaneira gracioso, pitoresco e original, que ainda hoje, à simples vista do seu desenho se compreende e avalia, e se vê bem quão errada e desastrosa.O Arco de Sant'Ana era estreito, um pouco tortuoso e alto, se bem que devido à estreiteza e acidentado da rua é a forma curvilínea por que está traçada, a impressão que se recebia era de menos elevação do que aquela que em verdade tinha; e pelos restos da arquitectura ogival que nele ainda se notavam, via-se bem que a sua construção ou talvez melhor dizendo, rompimento, não podia ir além da época em que o rei D. Fernando I, para captar as simpatias da cidade após o seu casamento com a célebre D. Leonor Teles, ordenara a continuação das obras de fortificação do Porto. Com o andar dos tempos e talvez devido à devoção que os habitantes da cidade tributavam à imagem a que o haviam consagrado, esse Arco tinha passado por diferentes transformações.Foi assim que por entre as ameias que outrora lhe guarneciam o cimo, lhe construíram, das casas do lado direito da rua e em direcção à parede do lado esquerdo da mesma, uma espécie de passadiço de paredes de granito e coberto de telhado, com uma larga janela quadrada, moldurada e envidraçada, do lado da rua da Bainharia, e um pequeno postigo igualmente guarnecido, do outro lado da rua de Sant'Ana.A janela e o postigo denunciavam a sua configuração e emoldurados, terem sido executados em fins do século XVII e os restos das ameias que ainda se divisavam por baixo do passadiço, eram anualmente procurados pelas andorinhas, que ali se anichavam durante a primavera e verão. Quanto ao Arco, esse havia sido, em época desconhecida, inteiramente revestido pela parte interior e exterior, dos dois lados da rua, com cal e gesso, que de tempos a tempos se renovava, pintando-se-lhe por cima, a amarelo dourado, verde e vermelho, diferentes ornamentos. Pela parte inferior e na parte da abóbada, ainda se lhe notavam, se bem que tapadas, umas aberturas por onde certamente se descia, em caso de necessidade, grades de ferro ou madeira, ainda reforçadas por portas a meio do arco, das quais se divisavam os vestígios de buracos de ferrolhos, ou de passagem de trancas. Ao lado esquerdo do arco e num nicho ou oratório esguio e alto, guarnecido com uma moldura ou guarnição de estilo denunciativo dos fins do século XVIII, é que se achava colocada a imagem de Sant'Ana que dera ao nome à rua e ao Arco.O oratório, em cuja cimeira e numa espécie de escudete se achava gravada esta inscrição: «S. Anna succure miseris», era aberto na espessura de uma sólida e alta parede de cantaria que flanqueava o Arco, e que talvez noutros tempos fosse uma das faces de alguma torre defensora da porta, e que posteriormente desapareceu, ou mesmo se confundisse no interior das paredes do prédio contíguo. E do outro lado era de crer que fosse defendida de igual maneira. Pelo menos, a casa n.º 156 e 158 da velha Rua dos Mercadores, edificada em correspondência com a altura em que se erguia o Arco, e conhecida ainda hoje pelo nome de Casa da Torre, faz-nos supor que não teve outra origem, nem outro motivo de designação.O nicho ou oratório era envidraçado, e ao redor dele pendiam inúmeras velas e outras promessas de cera, quadradinhos com descrições dos milagres, etc. – e frente à imagem, pendente de um pequeno varão de ferro, um lampião de azeite que ali ardia dia e noite, sempre custeado pela dedicação das mulheres da cidade que consagravam de longa data à Senhora Sant'Ana do Arco uma especial devoção. Por baixo de oratório havia uma espécie de altar estreito, em cujo interior se arrecadavam diariamente as esmolas das devotas, e se guardava o azeite que quase quotidianamente ali iam levar, e que na maior parte se destinava à sustentação da luz do lampião acima referido. No alto do nicho havia uma sanefa de madeira dentada, lavrada e pintada a azul. Como já dissemos acima, o Arco de Sant'Ana das Aldas era uma das quatro portas da velha cidade do Porto, talvez mesmo um postigo aberto no extremo da muralha do lado norte, que nesse ponto quebrava em direcção ao sul, correndo em seguida pelas trazeiras da antiga Rua dos Mercadores, paralela à de Sant'Ana. O Arco começou a ser demolido em 2 de Junho de 1821, a requerimento de Manoel Luís da Silva Leça, que do lado direito construira ali uma casa, e António Joaquim Carvalho, proprietário na mesma rua. A imagem da Santa foi, sob o estandarte da irmandade dos sapateiros, curtidores, surradores e correeiros, conduzida na tarde de 29 de Junho de 1821, em procissão e em magnífico andor, pelos mestres que nesse ano eram juizes ou tinham assento na Casa dos Vinte e Quatro (em que estes ofícios gozavam do direito de banco), para a capela de S. Crispim, e aí colocada em altar especial. Como porém esta capela e a sua anexa Albergaria dos Palmeiros, ambas situadas ao cimo da rua de S. João, fossem demolidas nos fins do século passado, para corte da actual Rua Mousinho da Silveira, foi outra vez conduzida a imagem para a nova capela que a irmandade de S. Crispim mandou edificar no alto da Rua de S. Jerónimo, e ainda ali se conserva em altar próprio, suposto que inteiramente ignorada ou ingratamente esquecida de quase toda a gente. Como recordação da Santa, não ficou no lugar mais do que uma reduzida imagem, metida num pequeníssimo santuário de madeira envidraçada, que ainda actualmente se vê, pendurado ou cravado na parede, junto às escadas de pedra que da Rua de Sant'Ana dão comunicação para a Rua de Pena Ventosa. Tanto a imagem de Sant'Ana do Arco, como de Nossa Senhora, que tem a seu lado, e o Menino Jesus, que ambas graciosamente sustentam entre si, são todas de preciosa escultura, e o mesmo se dá com o grupo dos oito querubins que, por entre rolos de nuvens, lhes rodeiam as fímbrias dos vestidos. A escultura de todo o grupo de imagens, bem como as valiosas coroas e resplendores de prata que as guarnecem, são tudo obras dos fins do século XVII e portanto da época muito posterior aquela que descreve Garrett, que tanto neste ponto, como na restante descrição que nos faz de diferentes detalhes do Arco e suas vizinhanças, caiu no erro de admitir como já existentes nos princípios do século XIV, e reinado de Pedro o Cruel, obras indiscutivelmente de épocas bem posteriores.”[2] Como todo este percurso já se afigura longo para quem dispõe apenas de meio-dia, deixo para uma próxima visitas a outros vestígios medievais do Porto que começarão desta vez na Rua do Infante D. Henrique, antiga Rua dos Ingleses (junto ao Túnel da Ribeira). Que a musa vos ilumine!
[1] http://outra-face.blogspot.com/, consultado no dia 15/07/2007. [2] http://www.portoturismo.pt/index.php?m=3&s=2&tipo=1, consultado no dia 15/07/2007.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Mas afinal... Clio é o quê? - explicitação dos objectivos deste blog

Antes de mais, sejam bem vindos. Os motivos que me levaram à criação deste blog não são por certo inovadores: recorrer às novas tecnologias da informação e comunicação como um meio de divulgação. Divulgação do quê afinal? - perguntam-me, legitimamente. E respondo-vos com o título: do mundo mágico da Clio. Para aqueles que não o saibam (ou antes: não se recordem) Clio era uma das nove musas gregas, a deusa da História. Farei agora um pequeno parêntisis para expôr uma pequena cursiosidade, a propósito das musas: "As musas eram nove deusas das artes e ciências na mitologia grega. Eram filhas de Zeus, o rei dos deuses, e de Mnemosine, a deusa da memória. Cada musa protegia uma certa arte ou ciência. Viviam no Monte Olimpo com seu líder, o deus Apolo. Com ele permaneciam jovens e belas eternamente, e com ele aprenderam a cantar. Podiam ver o futuro, o que poucos deuses podiam fazer, tinham também o dom de banir toda tristeza e dor. As musas tinham vozes agradáveis e melódicas e freqüentemente cantavam em coro. Os primeiros escritores e artistas gregos pediam inspiração às musas antes de começar a trabalhar. Qualquer uma delas podia ser invocada, apesar de cada uma proteger uma arte ou ciência especial. Musa é uma palavra que vem do grego "mousa"; dela derivam museu que, originalmente significa "templo das musas", e música que significa "arte das musas"." (http://www.edukbr.com.br/artemanhas/mit_grega.asp)
Este será portanto um blog inteiramente dedicado à História. Pretende-se que todos aqueles que se interessem por estes temas possam assim participar, questionar, criticar, tirar dúvidas, pesquisar, discutir e comentar. O público-alvo que visa atingir é muito lato. Não pretendo aqui dirigir-me apenas a académicos, professores ou eruditos. Convido todos os estudantes de História (de qualquer nível de ensino, qualquer faixa etária), convido também aqueles que, embora enverendando por outras áreas do saber nutram uma particular afinidade pela História, e ainda aqueles que, mesmo sem terem desenvolvido um gosto especial por esta ciência, gostem de aprender, com a promessa que, da minha parte, tudo farei para que literalmente se apaixonem pela minha História.
Podem desde já enviar comentários, colocar questões, propor temas de debate... Farei os possíveis para tentar esclarecer-vos.
No âmbito da divulgação pretendo também alertar todos aqueles que por aqui passarem para uma nova história, uma história que ultrapassa muito os limites dos programas escolares do ensino básico e secundário. O que é a História? Qual a sua área de estudo, metodologias e objectivos? O que é a investigação histórica e em que consiste? - estas são questões que considero importantes que sejam esclarecidas desde o início. Será portanto em torno destes assuntos que me debruçarei no próximo post. Veremos então quais são as fronteiras desse imenso mundo mágico da Clio.
Até a uma próxima! E que a Clio vos inspire!